Na última semana, li a notícia de que a famosa emissora Rede Globo de Televisão havia entrado na Justiça em busca de reduzir o preço do aluguel, afirmando que a empresa locadora havia aumentado de forma excessiva os valores cobrados.
De um valor que era de R$160.000,00 (cento e sessenta mil reais) mensais, passou para R$230.000,00 (duzentos e trinta mil reais).
Para convencer o juiz da abusividade do aumento, a emissora juntou ao processo laudos indicando os alugueres pagos a outros imóveis na mesma região (Barra da Tijuca/RJ), bem como laudo técnico de profissional habilitado em que avaliou o imóvel e demais condições de valoração do aluguel, solicitando, a partir disso, a sua redução.
QUAL AÇÃO SERVE PARA REDUZIR (OU AUMENTAR) O VALOR DO ALUGUEL?
Estamos falando aqui da AÇÃO REVISONAL DE ALUGUEL.
Essa ação ficou bastante conhecida no período da pandemia do COVID-19, em que diversos inquilinos, tanto das locações residenciais ou não-residenciais, buscaram reduzir seus alugueres por conta da abrupta quebra econômica que esse evento causou.
No entanto, não irei me aprofundar no tema da revisão do aluguel utilizando desse evento “pandemia”, pois foi uma situação completamente excepcional. Vamos nos embasar na regra.
QUANDO CABE AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL?
A resposta para essa pergunta está no artigo 19 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato):
“Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.”
Como podemos ver claramente na redação do artigo, caberá a ação revisional quando não houver acordo, entre locador e locatário, quanto aos valores do aluguel vigentes na época da ação.
Ou seja, querendo o locador aumentar o valor do aluguel, ou o locatário buscando sua redução, ingressarão com a ação judicial, visando ajustar o valor ao preço do mercado.
O contrato de locação é um instrumento oneroso e comutativo, ou seja, há contraprestação: o locador entrega seu imóvel e, em contrapartida, recebe valores por isso. Por essa razão, esses valores (aluguéis) precisam sempre refletir o valor de mercado.
Quando há uma defasagem desses valores (corrosão inflacionária, excepcional valorização local em se situa o imóvel etc.), as partes tem o direito de buscar o equilíbrio econômico do contrato, e isso se dá por meio da ação revisional.
Mas, a pergunta que fica é:
QUAL SERIA O INSTRUMENTO ADEQUADO PARA DEMONSTRAR AO JUIZ O VALOR DE MERCADO DO ALUGUEL?
Você já ouviu falar no PTAM?
O PTAM é a sigla para Parecer Técnico de Avaliação Mercadológica, o qual é emitido exclusivamente por corretores de imóveis, engenheiros civis ou arquitetos, todos estes devidamente registrados em seus conselhos de classe.
Assim como foi feito pela emissora, que contratou um engenheiro para a elaboração deste parecer.
Mas, além disso, há outras formas que podem ajudar no convencimento do juiz, seja em favor do locador ou do locatário. Por exemplo:
Contratar um profissional técnico que, além de avaliar as questões mercadológicas, avalie o imóvel de forma isolada, verificando suas condições atuais, como localização, características e idade da construção;
Faça uma comparação dos valores exigidos nos aluguéis dos demais imóveis da região, através de recortes de anúncios de jornais ou em portais eletrônicos;
Busque cópias de outros contratos de locação dos imóveis análogos da região, etc.
Isto porque, um dos principais requisitos para poder entrar com a ação solicitando a redução ou aumento do aluguel, é indicar o valor do aluguel pretendido.
No curso da ação revisional, o juiz, diante dos elementos fornecidos pelas partes (locador e locatário), poderá estipular o chamado “aluguel provisório”, que será devido desde a citação, vindo a lei estipular os seguintes valores:
Se a ação for proposta pelo LOCADOR, o aluguel provisório não poderá exceder a 80% do pedido;
Já se a locação for proposta pelo LOCATÁRIO, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% do aluguel vigente.
Vamos usar o exemplo da ação proposta pela empresa Globo:
O novo aluguel ficou por volta de R$230.000,00. Neste caso, a emissora (locatária), ajuizou a ação requerendo a redução definitiva, bem como a fixação do aluguel provisório (enquanto não sai a sentença final), já que o juiz não pode arbitrar sem pedido expresso da parte.
Dessa forma, o valor que poderia ser arbitrado provisoriamente seria de, no mínimo, R$184.000,00, valor este não inferior a 80% do aluguel vigente.
Mas e se fosse o inverso?
Se a empresa locadora ajuizasse a ação revisional de aluguel para providenciar o aumento?
Provavelmente, ela faria o pedido de aumento para R$230.000,00. Ou seja, o aluguel provisório também não poderia exceder os R$184.000,00, que é o valor máximo dentro dos 80%.
E se a parte não concordar com o valor desse aluguel provisório?
Há a possibilidade de revisão desse valor. Tanto o locador quanto o locatário podem alegar que o aluguel provisório está “fora da realidade” do mercado, seja muito além ou aquém do que deveria de fato ser cobrado, requerendo que o juiz reveja o valor.
O QUE ACONTECE SE O LOCATÁRIO DEIXAR DE PAGAR O ALUGUEL PROVISÓRIO?
Perceba: tratando-se de aluguel, seja ele provisório ou não, e fixado pelo juiz, o seu não pagamento pontual torna o locatário em mora, podendo o locador promover o despejo contra ele pela sua inadimplência.
Agora, vamos analisar a hipótese em que a ação revisional foi julgada, de modo que chegaremos ao aluguel definitivo. Neste caso, invariavelmente, haverá uma diferença em comparação ao aluguel provisório, seja para mais (em que o locatário terá de complementar a diferença), seja para menos (em que o locador terá de devolver o que foi pago a mais).
Importante mencionar que, essa devolução, é contada desde a citação no início do processo, devendo ser corrigidas e podendo ser exigidas a partir do trânsito em julgado da decisão que fixar o novo aluguel.
Além do valor do aluguel, também é possível a revisão do índice de correção e a periodicidade da correção, fazendo com que, até mesmo essa questão afete os valores a serem atualizados, caso o contrato faça aniversário no curso do processo.
É POSSÍVEL PARCELAR ESSA DIFERENÇA?
Não. É vedado ao juiz permitir o parcelamento da prestação devida, devendo ela ser satisfeita integralmente. Isso decorre do entendimento que o credor não pode ser obrigado a aceitar receber em "fatias" aquilo que não foi ajustado pelas partes.
Quando falamos de eventual diferença a ser paga pelo locador, há entendimentos de que poderia haver a compensação com os aluguéis vincendos (que irão vencer), mas o princípio deveria ser o mesmo: não concordando com o parcelamento, o locador deverá devolver o que recebeu a mais durante o curso da ação, de forma corrigida mês a mês.
É POSSÍVEL RENUNCIAR À AÇÃO REVISIONAL?
Alguns entendimentos são no sentido de que, por se tratar de direito patrimonial e, portanto, direito disponível, nada impede que as partes renunciem à ação revisional, sendo perfeitamente válida a cláusula que assim estipular.
Há, inclusive, Súmula do STF (Supremo Tribunal Federal) permitindo a validade da cláusula.
No entanto, é importante dizer que há posicionamento contrário, pois entende-se que toda cláusula que vise renúncia prévia a direito inerente ao negócio jurídico celebrado, fere o princípio da boa-fé.
Ou seja, dependerá do posicionamento do juiz que julgar a causa.
HÁ PRAZO PARA INGRESSAR COM A REVISIONAL? E ESSE PRAZO PODE SER ALTERADO PELAS PARTES?
Como vimos no artigo 19 da Lei de Locações, locador ou locatário poderão ajuizar a ação após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado.
Esse prazo, no entanto, pode ser estendido pelas partes contratualmente, mas nunca reduzido, pois a função da lei em estabelecer um prazo foi justamente evitar o tumulto do judiciário com sucessivas e constantes revisões.
Porém, se no curso do contrato, seja qual for o prazo decorrido, um fato totalmente imprevisível romper, profundamente, o equilíbrio contratual, poderá de ajuizar uma ação com o fim de por fim a relação que não é mais vantajosa às partes.
Como pudemos ver, para solicitar a revisão do aluguel, basta que respeitemos os requisitos exigidos em lei e verificar se, realmente, o valor do aluguel está destoante dos valores praticados no mercado, sempre buscando, antes de qualquer ajuizamento de ação judicial, as vias amigáveis. Lembrando que tais regras valem tanto para locações residenciais quanto para as não-residenciais (comerciais).
Se você se encontra em uma situação parecida com a do post, e está enfrentando dificuldades em renegociar o seu aluguel, estarei à disposição para uma conversa e para te auxiliar da melhor forma.
Este artigo foi escrito e publicado pela advogada Tatiane Motta, especialista na área de direito imobiliário e contratual. Para maiores informações, entre em contato através do e-mail contato@tatianemotta.com.br ou no direct do Instagram @tatianefmotta
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