Atraso na entrega do imóvel: quais são seus direitos e como proceder?
- Tatiane Motta
- 12 de mai.
- 6 min de leitura
Atualizado: 23 de mai.

Se chegou até aqui, é provável que você se veja nessa história: Maria assinou um contrato para a compra do seu primeiro apartamento, um imóvel na planta. Ela planejou a mudança, contou os meses, preparou a família. Mas o prazo previsto no contrato de entrega do imóvel passou e nada de chaves. A construtora, que antes era tão acessível, agora não dá respostas concretas. O sonho virou dor de cabeça — e Maria não sabe o que fazer.
A aquisição de um imóvel é um dos investimentos mais significativos na vida de uma pessoa, mas quando o prazo de entrega não é cumprido, as consequências vão além do financeiro — atingem expectativas, sonhos e até a estabilidade emocional do comprador. E, infelizmente, a história da Maria é a realidade de muitos consumidores.
PRAZO DE TOLERÂNCIA: O QUE DIZ A LEI?
É comum que contratos de compra e venda de imóveis na planta prevejam um prazo de tolerância para a entrega do imóvel, geralmente de até 180 dias. Esse período adicional visa resguardar a construtora de imprevistos que possam ocorrer durante a execução da obra.
No entanto, quando esse prazo se esgota, o atraso deixa de ser justificável — e o comprador passa a ter direitos assegurados por lei. Aqui surge uma nova dúvida, pois muitos compradores de imóveis na planta acabam se confundindo em relação ao início da contagem do prazo de entrega da obra, especialmente quando há dois contratos em jogo: o contrato de compra e venda com a construtora e o contrato de financiamento com a instituição bancária. Mas afinal, qual deles define o prazo de entrega do imóvel?
De acordo com alguns entendimentos pelo Poder Judiciário, o marco inicial para a contagem do prazo de entrega do imóvel é a data da assinatura do contrato de compra e venda com a construtora. Ou seja, mesmo que o contrato de financiamento preveja um prazo posterior, prevalece o prazo estabelecido no compromisso de compra e venda. Essa interpretação se fundamenta no artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor, que determina que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor, especialmente em casos de contradição ou ambiguidade.
Dessa forma, se a construtora tenta postergar a entrega do imóvel alegando que o prazo contratual seria o do financiamento, essa prática pode ser considerada abusiva. Afinal, ela contraria o princípio da boa-fé objetiva e o dever de transparência nas relações de consumo.
DIREITOS DO COMPRADOR NO CASO DE ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL
Quando a construtora não cumpre o prazo estipulado, incluindo o período de tolerância, ocorre o atraso na entrega do imóvel, e o consumidor pode optar por:
Rescindir o contrato de compromisso de compra e venda com a construtora
Assim como Maria, você pode optar por rescindir o contrato e reaver os valores pagos, devidamente corrigidos, além do pagamento da multa contratualmente prevista. Nesta hipótese, é importante analisar se de fato o melhor caminho é a rescisão, especialmente a depender dos valores já pagos, da valorização do imóvel e da proximidade da entrega diante das manifestações apresentadas pela construtora.
Pleitear indenização ou lucros cessantes
Não optando pela rescisão - permanecendo vinculado ao contrato e aguardando a entrega do imóvel - você pode exigir indenização à construtora. Em alguns casos, há essa previsão no próprio contrato, mas ainda que não haja, a chamada "Lei dos Distratos" prevê essa indenização a 1% (um por cento) sobre os valores efetivamente pagos à construtora, por mês de atraso.
Exemplo: Maria pagou integralmente o imóvel à construtora, no valor de R$400.000,00. O prazo contratual previa a entrega em dezembro de 2024, já considerando os 180 dias de tolerâncoa. No entanto, somente foi entregue em junho de 2025. Ou seja, teve um atraso de 6 meses. Assim, a construtora ficou obrigada a indenizar R$4.000,00 por mês de atraso, ou seja, R$24.000,00 de indenização pelo atraso na entrega das chaves.
Nos contratos em que não haja a previsão de indenização, ou que analisando o caso concreto pareça mais vantajoso, você pode pleitear os chamados "lucros cessantes", que nada mais são do que aquilo que o consumidor deixou de ganhar pela privação do uso do bem. Estes valores são normalmente arbitrados em percentual de 0,5 a 1% sobre o valor do imóvel, representando o valor do aluguel que o bem alugado produziria ao locador.
E QUANDO NÃO HÁ PREVISÃO DE MULTA PARA A CONSTRUTORA?
É comum encontrar contratos de compra e venda de imóveis na planta que preveem multas para o comprador em caso de inadimplemento, mas que omitem penalidades para a construtora caso ela atrase a obra ou deixe de cumprir suas obrigações contratuais.
Essa prática, no entanto, tem sido amplamente questionada no Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido que a ausência de previsão contratual de multa para a construtora não impede a aplicação da multa prevista para o comprador, de forma invertida. Esse entendimento baseia-se no princípio da equivalência das obrigações e na vedação ao enriquecimento sem causa, estabelecendo que, se o contrato prevê penalidades para o consumidor em caso de inadimplemento, o mesmo deve valer para a construtora que descumpre o contrato.
Essa inversão da multa contratual tem sido fundamentada no artigo 51, IV do Código de Defesa do Consumidor, que considera abusiva a cláusula que estabeleça obrigações desproporcionais ao consumidor. Assim, se o contrato estipula multa para o comprador, mas silencia quanto à responsabilidade da construtora pelo atraso, o Judiciário tende a aplicar a mesma penalidade prevista para o comprador, de forma invertida, para assegurar o equilíbrio contratual.
Esse entendimento protege o comprador, que, em muitos casos, é a parte vulnerável na relação contratual. Assim, mesmo na ausência de previsão expressa, é possível pleitear a aplicação da multa contratual em desfavor da construtora, equiparando as consequências pelo descumprimento das obrigações e evitando situações de desequilíbrio.
ESTÃO ME COBRANDO TAXA DE EVOLUÇÃO DE OBRA. ELA É ABUSIVA?
Agora imagine o caso de Pedro. Ele assinou o contrato com a construtora e financiou seu imóvel pela Caixa Econômica Federal e, enquanto a obra estava em andamento, foi cobrado pela taxa de evolução de obra. Mas o prazo de entrega passou e ele continuou pagando essa taxa, mesmo sem receber as chaves. E a dúvida que surge é: essa cobrança é devida?
Antes de mais nada, é importante entender o que é essa taxa de evolução de obra e como ela funciona.
A taxa de evolução de obra é um encargo cobrado pelas instituições financeiras durante o período de construção do imóvel financiado. Ela incide sobre os valores liberados pelo banco à construtora e é paga pelo comprador enquanto a obra não é concluída e o imóvel não é entregue.
Esse encargo é calculado com base na atualização monetária do saldo devedor, podendo variar conforme o índice estabelecido no contrato, como o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção). Durante o período de construção, a taxa de evolução de obra pode sofrer reajustes, o que pode aumentar significativamente o valor a ser pago pelo comprador (inclusive, em alguns casos, superar o valor da parcela do próprio financiamento!).
Entretanto, a cobrança dessa taxa se torna abusiva quando a obra ultrapassa o prazo de entrega previsto no contrato, incluindo o período de tolerância. Nesses casos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também entende que a continuidade da cobrança após o prazo contratual é indevida, configurando enriquecimento sem causa da construtora e prejuízo ao consumidor.
Assim, se o comprador continua pagando a taxa de evolução de obra mesmo após o prazo de entrega estipulado, ele pode pleitear a devolução desses valores, devidamente corrigidos.
QUAIS MEDIDAS DEVO ADOTAR SE A ENTREGA DA OBRA ATRASAR?
O Pedro e a Maria não estão sozinhos. Diversas decisões judiciais têm reconhecido o direito dos consumidores em casos de atraso na entrega do imóvel. Em muitos casos, os Tribunais têm condenado as construtoras, inclusive, ao pagamento de indenizações por danos morais a depender de cada caso e do tempo do atraso, além da devolução de valores pagos a título de taxa de evolução de obra após o prazo contratual.
Se você está passando por algo parecido com o que a Maria e o Pedro enfrentaram, aqui estão alguns passos importantes:
Primeiro e mais importante passo: busque orientação jurídica! Consulte um advogado especializado em direito imobiliário para avaliar a melhor estratégia e não deixar de receber valores que lhe são devidos.
Notifique a construtora: formalize a cobrança da entrega do imóvel por meio de notificação extrajudicial. Este documento, se bem redigido e fundamentado, será essencial caso o problema avance para uma ação judicial.
Reuna todos os documentos: guarde todos os documentos relacionados à compra do imóvel, como contrato, comprovantes de pagamento e correspondências com a construtora.
Ingresse com ação judicial: caso não haja acordo com a construtora, é possível ingressar com ação judicial para pleitear os direitos mencionados e buscar junto a um advogado especialista o levantamento de valores para esta ação, além dos possíveis desdobramentos do seu caso específico.
O atraso na entrega da obra é mais comum do que muitos imaginam, e cada caso é único. Mas o que não pode ser único é a sensação de impotência do comprador.
Se você está vivendo essa situação, saiba que há caminhos legais para garantir seus direitos. Conte com a assessoria da nossa equipe especializada. Basta clicar no botão abaixo que você será direcionado ao nosso atendimento agora mesmo.
Este artigo foi escrito e publicado pela advogada Tatiane Motta, especialista na área de direito imobiliário e contratual. Para maiores informações, entre em contato através do e-mail contato@tatianemotta.com.br ou no direct do Instagram @tatianefmotta.
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