Vamos iniciar esse assunto com uma história hipotética, para facilitar a compreensão:
Carlos resolve comprar a casa de Edna.
O valor da venda/compra ficou em R$500.000,00 (quinhentos mil reais).
Mas, além do valor de compra do imóvel, o Sr. Carlos terá outros custos...
Quando resolvemos comprar um imóvel, sendo ele no valor acima de 30 (trinta) salários mínimos vigente à época da declaração, somos obrigados a ir até um Tabelionato de Notas (cartório), a fim de que o Tabelião elabore um instrumento, chamado de escritura pública.
Nesta escritura será lançada todas as informações da venda e compra do imóvel, especialmente o valor da negociação.
A partir do valor do imóvel, serão calculados os encargos extras que precisarão ser pagos (além do valor do imóvel), tais como:
Taxas cartorárias da escritura pública;
Taxas cartorárias do registro desta escritura na matrícula do imóvel; e
Imposto de transmissão, ITBI.
Esses encargos são calculados com base no valor da venda. Ou seja, pelo exemplo que usamos, suponha que o imóvel esteja localizado na cidade de São Paulo:
Valor do imóvel: R$500.000,00
Valor da escritura pública (valor atualizado 2023): R$ 4.839,75
Valor do registro da escritura: R$3.033,08
Valor do ITBI (3%): R$15.000,00 (quinze mil reais).
TOTAL: R$522.872,83
Isso mesmo. Além do valor do imóvel, o Sr. Carlos terá de desembolsar quase vinte e três mil reais a mais. Tal fato o assustou bastante e, então, lembrou de uma situação semelhante que ocorreu com seu tio:
O Sr. Carlos tem um tio, chamado Zé, que tempos atrás havia comprado um bom terreno, e lembrou que esse tio estava se vangloriando de ter "economizado" com essas taxas extras.
Como?
Bom, o Sr. Zé, sabendo que teria gastos maiores que o planejado, resolveu declarar ao Tabelião um valor menor do que realmente havia pago no terreno. Ou seja, indicou que teria pago o valor de R$300.000,00 (trezentos mil reais) no terreno, quando, na verdade, havia o adquirido por 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais).
Ou seja, tendo em vista que os cálculos são feitos a partir do que é declarado em escritura, o Sr. Zé conseguiu reduzir os custos dessa transação.
Assim, o Sr. Carlos se sentiu tentado a fazer o mesmo, mas antes preferiu me procurar, pois se perguntava:
- Sendo assim, por que todo mundo não faz a mesma coisa?
- Será que essa saída é legal?
- Será mesmo que isso não traz quaisquer riscos?
E, embora pareça mesmo uma alternativa atraente (afinal, quem não gosta de economizar dinheiro?), declarar valor inferior ao que foi verdadeiramente pactuado é uma conduta ilegal.
Impedir o fato gerador de um tributo, visando fraudar e eximir-se do pagamento de impostos ao erário é crime de sonegação fiscal (Lei 4.729/65), com pena de detenção, de seis meses a dois anos, além do pagamento de multa de até cinco vezes o valor do tributo.
Mas, além disso, essa conduta pode trazer prejuízos patrimoniais. Vamos ver quais são elas junto com o Sr. Carlos?
VÍCIO REDIBITÓRIO
Suponha que o Sr. Carlos tenha resolvido declarar o valor de R$400.000,00 na escritura e, no momento da compra, o imóvel tivesse um vício oculto.
Após um tempo de ter adquirido o imóvel, ele descobre que aquele vício inutilizou o seu imóvel para o fim que ele havia destinado (fissuras na parede, problemas elétricos irreversíveis etc).
Diante disso, o Sr. Carlos teria o direito de enjeitar o imóvel, redibindo-o (traduzindo o juridiquês: rejeitar o imóvel; voltar atrás com a venda; pedir a devolução do dinheiro e desfazimento do negócio).
Ou seja, o Sr. Carlos faria jus ao ressarcimento do preço, através de uma ação judicial. No entanto, ele somente teria, em tese, a devolução dos R$400.000,00, e não do efetivamente pago (R$500mil).
EVICÇÃO
Imagine agora que a Edna não seja a verdadeira proprietária da casa e, após um tempo da venda do imóvel, o verdadeiro dono apareça e comprove judicialmente a propriedade em seu nome.
O Sr. Carlos neste caso sofrerá a "evicção" e perderá o imóvel.
Surgirá a ele o direito de ajuizar uma ação de perdas e danos contra a Edna, dentre eles a restituição do valor pago.
No entanto, o "valor pago"considerado será aquele indicado na escritura pública, e não o efetivamente pago.
LUCRO IMOBILIÁRIO
Lucro imobiliário nada mais é que a tributação sobre o ganho de capital na venda de imóveis, no montante de 15% (quinze por cento) sobre o valor do lucro.
Por exemplo: O Sr. Carlos, depois de dois anos, resolve vender a casa que comprou de Edna, pois soube que o local havia valorizado muito após a finalização de algumas construções próximas ao local.
E, realmente. Após pesquisas, percebeu que o imóvel havia valorizado em torno de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), ou seja, valor de venda em R$650.000,00, providenciando logo um comprador.
No entanto, o pretendente à compra do imóvel, conhecedor das leis e das implicações que a sonegação pode acarretar, exige que o valor indicado na escritura seja o mesmo da negociação.
O Sr. Carlos, neste caso, terá de recolher o imposto sobre o lucro de R$250.000,00, e não somente de R$150.000,00. Ou seja, pagará "a mais" R$15.000,00 de imposto por conta da sua manobra de economizar quando da compra do imóvel.
DIREITO DE PREFERÊNCIA DO INQUILINO
Imagine, por fim, que o imóvel adquirido pelo Sr. Carlos esteja alugado.
Como já sabemos, os inquilinos possuem direito de preferência na aquisição do imóvel e, caso ele não seja comunicado sobre a intenção de venda do imóvel e/ou sobre suas condições gerais, poderá ele, sendo o imóvel vendido a terceiros, ajuizar ação de perdas e danos ou, depositar o preço e demais despesas da transferência a fim de ter para si o bem imóvel locado.
Suponhamos que a Sra. Edna tenha oportunizado ao inquilino comprar o imóvel, no entanto, o valor comercializado era de R$500.000,00, certo? Mas a venda - de acordo com a escritura - foi de R$400.000,00, valor este que não foi comunicado ao inquilino (afinal de contas, não foi o valor efetivamente pago).
Tal artimanha praticada pelo Srs. Carlos e Edna deu ao inquilino a possibilidade de pagar o valor de R$400.000,00 pelo imóvel.
Conseguem perceber a gravidade de tal atitude? O que a princípio era se safar do imposto que, diga-se de passagem, é ilegal, traria enormes transtornos e prejuízos financeiros àqueles que visavam a economia.
Por isso, antes de comprar ou vender um imóvel, faça como o Sr. Carlos: busque auxílio jurídico de um profissional especializado na área imobiliária, o qual lhe trará informações que poderão evitar que você caia em uma cilada irreversível.
O(a) advogado(a) contratada, além das informações, também poderá trabalhar na análise de risco da negociação, evitando eventuais prejuízos antes mesmo da assinatura do contrato/escritura.
Caso tenha ficado com alguma dúvida ou queira orientação jurídica para o seu caso concreto, estou disponível no endereço de e-mail: contato@tatianemotta.com.br ou no WhatsApp.
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